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quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A MÚSICA NA LITURGIA


            A doutrina da Igreja sobre este assunto é muito clara: o canto na Liturgia não é exclusivo de um pequeno grupo mas deve dar lugar, também, à participação dos fiéis.
Manuel Faria verberava a execução de certos cânticos (cantigas), de certos instrumentos mal executados e impróprios e o exibicionismo teatral de pequenos grupos. Depois dele jamais voltei a ler no Diário do Minho, jornal oficial da Diocese, qualquer crítica sobre os desmandos consentidos por muitos pastores em muitas paróquias.
Não pode estar correcto  o pensamento, muito generalizado, de que para Nosso Senhor “está tudo bem” desde que, exteriormente, se cante em seu louvor. Pois! E onde está a alma, a pureza de coração, a humildade da oferta e a partilha com a assembleia?
Há uma faceta no culto protestante que muito admiro. Na entrada das igrejas encontra-se uma quantidade de livros que contém hinos (com a respectiva música) e devidamente numerados. O organista digita o número do cântico que aparece num monitor, faz uma introdução e todos se associam acompanhados pela majestosa sonoridade do órgão de tubos. A isto é que chama “participar activamente”.
Entre nós, sobretudo na Diocese de Braga, há um repertório enorme e rico de cânticos para o culto Divino, elaborados nas últimas sete décadas, que torna difícil saber escolher os mais adequados a cada domingo. Em muitos lados, mesmo nos meios de comunicação social, executam “inovações” não aprovadas e desadequadas. Noutros são os coros que assumem o papel principal sem deixar espaço para a maioria dos fiéis. São dois extremos.
Onde está, então, a sensatez? No meio termo está a virtude. Os coros poderão “brilhar” num cântico de ofertório ou final. Nos restantes devem reservar um espaço (refrão) acessível ao comum dos fiéis e “brilhar” na polifonia das estrofes bem declamadas. Quanto às “inovações”, entendo que deve ficar bem claro o ditado popular: “cada macaco no seu galho” ou, então, “quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?”. Se tenho dores de estômago e não sei a origem, vou ter com o médico que, para tal, estudou. Se preciso de um cântico para determinada celebração vou ter com um teólogo poeta para que me faça o texto e a um músico profissional e espiritualmente preparado para fazer a composição. Disse “espiritualmente preparado” para que, em vez de criar uma prece lhe saia um samba. O que sair fora destas normas dos cânones da música para a liturgia não vai além do amadorismo, exibicionismo e, talvez, pietismo balofo e reprovável.
Atrevo-me a relembrar a boa prática de alguns arciprestados, em jeito de conselho. Na preparação dos “tempos fortes” do ano Litúrgico reúnem-se para uma reflexão que vai desde o asseio dos templos aos cânticos mais adequados desse tempo. Escolhem umas dezenas de hipóteses, ensaiam os directores artísticos e estes, os seus coros e assembleias.
Se alguém tiver uma ideia melhor, por favor, dê a sua opinião. Já em tempos apresentei esta ideia no Diário do Minho.            
Toda a minha vida trabalhei com a Igreja e para a Igreja. Mais na música do que em outras tarefas.  Depois de tanto trabalho fico com a sensação de que nada fiz. Acreditem, contudo, que fui sempre bem intencionado. Não posso deixar de sugerir a futuros organistas e directores de coros que não desanimem, que se preparem bem, que nunca pensem que já sabem tudo e, sobretudo, que trabalhem por amor, com humildade e ideias bem claras sobre as  exigências no culto Divino.
acostagomes@gmail.com

A MÚSICA SACRA NA DIOCESE DE BRAGA

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Na primeira metade do séc. XX foram vários os músicos compositores, já referidos,  que orientaram gerações de seminaristas, elaboraram muitas obras destinadas ao culto Divino e tiveram enorme influência na aprendizagem de M. Faria.  Nunca foi abandonado o canto Gregoriano. Foi, porém, com Manuel Faria, nas décadas de 60 e 70, que ele atingiu o seu esplendor nas cerimónias litúrgicas na Sé de Braga. Todos os seminaristas tinham de adquirir o “Liber Usualis”, enorme volume em papel bíblico, que continha as principais melodias gregorianas aprovadas pelo Concílio de Trento. Por ele fazíamos, todas as semanas, os ensaios dos cânticos para a liturgia dominical. Dos professores e seminaristas companheiros de Manuel Faria recebemos um elevado número de composições que se divulgaram por toda a diocese que, naquela altura, compreendia Braga e Viana do Castelo.  Cito, de cor, algumas dessas obras: Florilégio Mariano, Florilégio Eucarístico, Saltério Mariano, Saltério Eucarístico, Rosa Mística, Cantar é rezar,  Jubilate, Cânticos da Juventude, Novos cânticos, Florinhas do campo, Louvores à Virgem Maria, Louvores à Mãe de Deus, etc.. Estas colectâneas eram usadas nos seminários e, como é natural, levadas para toda a diocese pelos padres e seminaristas. Não havia, por conseguinte, falta de repertório, ora em latim ora em vernáculo.
Com as reformas e novidades do Conc. Vaticano II surgiram “compositores apressados e obras aligeiradas de todo o género” . Manuel Faria, com uma visão profunda e longínqua do problema, encontrava-se mesmo no centro deste “dilúvio pseudo-musical” tentando acalmar a tempestade de tanto “lixo” sem sentido teológico ou estético. No seminário e a partir dele, poderia formar e reformular a música aplicando o saber, a paixão pela dignidade no culto Divino e o amor aos seus alunos que, mais tarde, seriam portadores da sua mensagem musical.
Ofereceu-se, gratuitamente, para dar aulas de harmonia aos alunos que nisso tivessem interesse. Foram muitos os aderentes que, mais adiante, começaram a elaborar os seus cânticos que, depois de submetidos à Comissão de Música Sacra, eram publicados na Nova Revista, iniciada em 1971.
Foi, também, desta altura a iniciativa de fomentar a criação de grupos corais nas paróquias e os encontros anuais a nível diocesano dos mesmos. Em grupos de 4 ou 5 apresentavam-se, cada ano, num arciprestado com 3 ou 4 obras dos novos compositores. M. Faria aparecia sempre nestes encontros demonstrando carinho e um santo orgulho pelo que via e ouvia. Nos seus comentários não havia “censura”. Mesmo que não corresse bem por alguma desafinação, pelo natural medo ou hesitação, tinha sempre uma palavra de estímulo para com os coralistas e directores. Foram muitos os padres e leigos que se decidiram a um aperfeiçoamento dos conhecimentos musicais chegando, alguns, a realizar cursos superiores na escola de Música Gulbenkian, em Braga, que começava a dar os primeiros passos.
A Diocese deve muito a M. Faria sobretudo por três razões: o seu apaixonado trabalho com os  alunos, semente de futuros compositores e directores; pelo incitamento à formação de coros nas paróquias e fomento de encontros  provocando o gosto pela perfeição; e pela iniciação da Nova Revista de Música Sacra, repositório, até hà uns anos atrás, de mais de um milhar de cânticos adequados às várias circunstâncias da liturgia.
Com a morte de M. Faria, em 83, a árvore já estava grande não havendo, de imediato, o perigo de se desmoronar. Deixou pessoas competentes e apaixonadas que continuaram a sua obra quer a nível da composição quer a nível dos coros paroquiais que, devido à formação de jovens leigos competentes, continuaram o trabalho iniciado.
A NRMS continuou a sair regularmente orientada por um dos seus discípulos, Az. Oliveira, tendo parado a sua publicação há poucos anos atrás. Esta revista foi coligida, em 2005, com excepção dos últimos números, no livro “ A Igreja Canta” que é de enorme utilidade. Não podemos, pois, queixar-nos da falta de cânticos adequados às várias celebrações litúrgicas. Creio, mesmo, que é complicado escolher.
A seguir falaremos deste problema e de outros que começam a surgir.


A Música Litúrgica na Diocese de Braga na primeira metade do séc. XX

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O resumo que pretendo fazer será baseado, somente, na minha experiência pessoal, fruto da vivência à ”sombra” da Igreja desde a década de 40 do séc. passado.
Nesta primeira parte quero abordar a música religiosa antes de Manuel  Faria já no apogeu da sua produção musical e como precursor de um “novo tempo”. Numa segunda parte falarei de Manuel Faria, dos seus discípulos e dos abundantes frutos que nos legou. Se tiver espaço e me for permitido, direi o que penso sobre o estado actual da música na liturgia e o que penso que deve ser feito.
Desde criança que me lembro de, na minha terra natal, se cantar muito e bem. Mais nos ofícios divinos do que no quotidiano campestre (falando de música profana). Cantava o coro das senhoras (meninas) e toda a assembleia as seguia. Até os homens, que ficavam na parte superior da igreja, como era regra, se associavam ao canto.
Com o tempo verifiquei que havia uma razão muito importante para tal acontecer e que hoje, infelizmente, está em desuso. Os seminários diocesanos preparavam muito bem os futuros padres nomeadamente na arte do canto. Lembro-me, no concelho de Famalicão, de vários párocos que não só tocavam e cantavam muito bem como tinham brio em organizar os seus coros que, nessa altura, eram só femininos. Na minha zona havia pelo menos dez párocos que assim procediam.
Como a língua usada na liturgia era a latina e o sacerdote celebrava de costas voltadas para o povo, este nada respondia. Somente o ajudante ou sacristão é que decorava as fórmulas e ia “mastigando” as respostas. O que fazia, então, o  povo? Quase sempre rezava o terço durante a missa. Mas também cantava em determinados momentos: entrada, ofertório, comunhão e final. Este costume era igual na generalidade das paróquias. Não era assim nas catedrais ou em institutos religiosos. Estes tinham mais formação e eram capazes de cantar mais coisas em latim, sobretudo o ofício das horas.
Tenho, então, de falar dos mestres do início do século passado que não só prepararam os seminaristas como, quase sempre, eram chamados para ensaiar os grupos corais das paróquias para determinadas festividades.
Já nasceram no último quartel do séc. XIX os compositores  P. António Correia, P. Manuel Alaio e P. Alberto Brás que foram mestres de P. Benjamim Salgado, P. Rodrigues Azevedo , P. Manuel Borda e P. Manuel Faria. Todos foram professores e compositores de música sacra.
O s três primeiros prepararam o caminho para os seguintes. Estes, mas sobretudo Manuel Faria, teria o papel mais importante na formação de um elevado número  de padres e leigos apaixonados pela música. Se, para tal, houver oportunidade, poderei nomear umas dezenas de profissionais, alguns ainda no activo, que são fruto da pedagogia e magistério de Manuel Faria.
Lembro-me de, nas principais festividades do Seminário, em especial na abertura do ano lectivo, ouvir um elevado número de párocos que se juntavam ao coro dos seminaristas a cantar a Proposição de Os Lusíadas de Hermínio do Nascimento numa espécie de “girândola” para terminar estas sessões académicas.
acostagomes@gmail.com