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sexta-feira, 8 de junho de 2012

O estado da Música Sacra


Ex.mo e Rev.mo Senhor
D. Jorge Ortiga
Dig.mo Arcebispo Primaz de Braga

As minhas cordiais saudações.
Estou a escrever-te, através do meio mais fácil e rápido do nosso tempo, sobre o que se passa na nossa Diocese, de exemplares tradições, no campo da música sacra.
Quase todos os domingos, quando ligo o rádio (RR), fico perturbado com o que ouço.
  • Ontem, dia do Corpo de Deus e no domingo passado senti-me envergonhado, mais uma vez. Em Celeirós, na Eucaristia transmitida pela RR, ouvi a mesma solista em todos os cânticos, acompanhada por instrumentos pouco ou nada ortodoxos,  a quem foi entregue o “papel” de representar o coral da paróquia. Pensei: o Apolinário deixou-se dominar pela “onda” e esqueceu o que aprendeu no Seminário e o que dizem os documentos conciliares. Para que a “festa” tivesse mais solenidade pegaram numa melodia “rock” Americana e introduziram-lhe a aclamação ao Evangelho. Aleluia… para Nosso Senhor qualquer coisinha serve!!!
  • Domingo, como cântico de entrada na Missa do Seminário de Santiago foi a tão conhecida melodia “amigos tão  bons vale a pena juntar” com um piedoso texto a enfeitá-la.
  • Estas situações são recorrentes em muitos cantos da diocese começando- ó céus!- por Dume onde trabalho há mais de 40 anos com o grupo coral mas  não sou tido em conta pelo meu conterrâneo, P. Armindo. O coral dos jovens- que praga isto de Missa dos jovens, Missa das crianças, etc. quando a Missa é só uma!- dizia que o grupo dos jovens fazem as maiores tropelias não só em termos de cânticos mas, também, nos textos pseudo-litúrgicos.
  • Para a Livraria (oficial) da Diocese- Livraria do Diário do Minho- tem tanto valor uma obra de autores consagrados como “A Igreja Canta” como a de um bom homem, mas amador, P. Salvador Cabral (que Deus tenha). Basta passar por lá e fazer uma análise das obras à venda. Pretendem que sejam os organistas e directores artísticos a fazer a escolha? Disparate! Quantos são os que têm formação para discernir entre o que é aceitável ou reprovável?!
  • Dos dezoito coros que consegui reunir no Sameiro, a seguir à Páscoa, nenhum teve uma palavra de apreço para com a ilustre figura do Sr. Presidente da Comissão de Música Sacra, agora inactiva e enexistente por falta de diálogo e inusitada agressividade. Para que serve?

Pergunto: o que queres dizer quando falas em Eucaristias mais atractivas? Li que te referias à “avaliação das celebrações”, à “formação dos adultos, dos leitores e acólitos”, à “instrução dos grupos corais”. E quem está a proceder a estas formações? Alguns “forasteiros” não investidos hierarquicamente, como é o caso do nosso querido colega e amigo, Azevedo Oliveira, a maior figura, de momento, da Música Bracarense, cujo papel, ao longo dos anos, não tem sido senão o de “escorraçar e espantar” os seminaristas, futuros colegas e responsáveis por uma porção do rebanho que queremos unido e em sintonia com a sâ doutrina, neste caso, da Música Sacra como consta do documento Música Sacra por ti compilado, creio  que em 2001, e extraido dos documentos conciliares pelos quais tanto se bateu o Mestre Manuel Faria e outros  grandes nomes que nos precederam. A este, Azevedo Oliveira, é que competia levar a efeito a formação na arte de “bem cantar” e no espírito que deve enformar todo o acto litúrgico. Alguém o vê? Claro que há párocos sensatos e prudentes que  dialogam com os intervenientes na Liturgia, esclarecendo-os e mostrando-lhes o empenho que devem colocar no que dizem e no que fazem. Não esqueças, porém, que a maior parte, sobretudo os que se ordenaram nos últimos 20 anos, que nem receberam formação musical adequada nem tiveram uma  “praxis”  suficiente que os capacite para saborear e distinguir o bom do trivial.

A Igreja- não só a Bracarense- entrou pelos caminhos da pedagogia do ensino público onde impera o “facilitismo” e o “deixa correr”. Isto desde a Catequese até aos funerais. Os Catequistas “pegam” nas crianças e fazem delas marionetes durante a liturgia “empurrando” os pais para segundo plano quando deveriam ser eles a sussurrar-lhes ao ouvido: “meu Deus, eu creio…”, “Avé Maria”…. Fazem deles “ovelhinhas obedientes” que executam  e lêem aquilo que lhes mandam. E isto acontece até ao Crisma. Se os sacerdotes aproveitassem, pelo menos, as multidões que se juntam nos funerais, ainda com resquícios de alguma fé, para proclamar, alto e bom som , as verdades em que acreditamos de modo a que, “oportuna e inoportunamente” os seus ouvidos se “incomodem” por escutar o que não gostariam de ouvir e, muito menos, de pensar, talvez as nossas igrejas estivessem mais cheias.
Sei que é um disparate estar a dizer isto a quem o estou a dizer. É “ensinar” o Padre Nosso ao “vigário”. Mas acredita, D. Jorge, que me sinto profundamente magoado com a inoperância do responsável pela Música Litúrgica, com a maneira como, durante mais de 25 anos, tem sido agressivo, impaciente, anti-pedagogo para com os seminaristas e o estigma que lhes incute. Há outros padres novos que deveriam ocupar o lugar dele como o P. Nuno Rocha, o P. Marcelino ou o P. Juvenal. Fariam, de certeza, melhor trabalho.
Não posso deixar de referir os disparates que têm ocorrido no que se refere aos instrumentos e instrumentistas. Fazem-se restauros e adquirem-se instrumentos litúrgicos caríssimos e, depois, não temos quem os toque. Caso da Sé, de S. Bento e do Sameito, entre outros. Gasta-se dinheiro em obras de fachada cuja manutenção fica caríssima, mas não há nada para dar a alguém competente para tocar os instrumentos e orientar os coros das principais igrejas de Diocese aonde acorrem multidões de fiéis.
Amigo D. Jorge, desculpa este desabafo mas não podia deixar de o fazer. Também não iria com ele para a comunicação social pois detesto discussões na praça pública. Admiro o que se está a fazer no arciprestado de Melgaço. Antes de cada tempo forte do ano litúrgico, um conjunto de músicos e sacerdotes juntam-se para escolher um leque de cânticos adequado a esse tempo. Marcam um fim de semana e trabalham esse conjunto de cânticos de modo a que sejam executados com o possível rigor mas, sobretudo, com a alma e, assim, não andem ao sabor de grupinhos mais ou menos ignorantes e laxistas. Não será uma boa ideia caminharmos neste sentido?
Um abraço e que a Igreja seja mais santa.

Costa Gomes